CHINA: CARA DE UM, FOCINHO DE OUTRO

A piada ficou famosa na série de TV Portlandia, de grande sucesso nos Estados Unidos e também exib


Edição 14 - 16.05.19

A piada ficou famosa na série de TV Portlandia, de grande sucesso nos Estados Unidos e também exibida no Brasil. Depois de olhar o cardápio de um restaurante de comida natural, dois clientes perguntam ao garçom se a carne do estabelecimento é orgânica. Para tranquilizá- los, o funcionário mostra o álbum de família do animal, repleto de fotos e com descrições detalhadas de sua vida saudável no campo. Por mais insólita que a cena possa parecer, ela está prestes a se tornar realidade. Na China, pesquisadores estão adotando tecnologia de reconhecimento facial, rastreamento por GPS e inteligência artificial para identificar e contar a história pregressa de porcos e frangos antes de eles serem levados à mesa para o consumo humano.


Nenhum país tem avançado tanto nessas áreas quanto a China. Há 170 milhões de câmeras instaladas nas ruas e a meta é chegar a 600 milhões até 2020. No início do ano, um suspeito de crimes financeiros foi descoberto em plena Pequim por um equipamento capaz de identificar pessoas no meio da multidão. A mesma tecnologia está por trás do mapeamento facial e da varredura de voz dos porcos. Ela começou a ser aplicada para evitar a disseminação da febre suína, doença mortal sem vacina ou cura conhecidas que se espalha por meio do contato entre animais – felizmente, não afeta os humanos. Em 2018, mais de 1 milhão de porcos foram abatidos em solo chinês, uma fração de uma população superior a 400 milhões de animais, mas com potencial para gerar grandes perdas financeiras.

O reconhecimento facial dos porcos funciona da mesma forma que o dos humanos: scanners e softwares captam as cerdas, o focinho, os olhos e os ouvidos dos animais. As imagens são arquivadas e cada animal ganha uma espécie de identidade única, diferente de qualquer outro indivíduo. Quando o porco está doente, suas feições mudam. Os olhos caem, a face fica flácida. É aí que entra em cena a inteligência artificial dos scanners. Ela consegue reconhecer um animal específico e avisa o produtor que algo está errado com ele. Antes que o porco contaminado transmita sua doença para os vizinhos, ele é abatido. “Se os porcos não estão felizes, as câmeras de reconhecimento facial percebem isso”, disse Jackson He, diretor executivo da Yingzi Technology, ao jornal americano The New York Times. A Yingzi é uma empresa especializada em monitoramento com sede na cidade de Guangzhou, no sul do país. Pioneira nesse tipo de tecnologia, ela oferece seus serviços para mais 1 milhão de fazendeiros chineses, e o número não para de crescer. “Como entre os humanos, não há um porco que seja igual ao outro”, garantiu Jackson He.


O negócio é tão promissor que até grandes varejistas estão investindo na área. É o caso do Alibaba, maior empresa de comércio eletrônico da China e segunda maior do mundo, atrás da Amazon. Além do reconhecimento de voz, a Alibaba desenvolveu um software que identifica animais com tosse, o que pode ser um sinal de febre suína. A JD.com, outra gigante chinesa do e-commerce, monitora a atividade dos porcos em tempo real. Se eles se movimentam pouco ou fazem algo que foge da rotina, veterinários são acionados para verificar o estado de saúde do animal. As empresas que detêm a tecnologia dizem que podem ajudar os agricultores a isolar indivíduos portadores de doenças, reduzir o custo da alimentação, aumentar a fertilidade das porcas e diminuir os índices de mortes não naturais. O sistema da JD.com, por exemplo, usa robôs para alimentar os suínos na quantidade correta, de acordo com o estágio de crescimento dos animais.

A agricultura inteligente também chegou à produção de frangos. A ZhongAn Online, uma companhia de seguros da China, já equipou mais de 100 mil aves com rastreadores e a ideia é levar a tecnologia para 2,5 mil fazendas do país. Os dispositivos dotados de sensores são colocados na pata do frango e indicam tudo o que ele fez na vida – os lugares que frequentou, o que comeu e até a quantidade de exercício que praticou antes de ir para a panela. Detectada pelo GPS, a falta de atividades do animal pode ser um indicativo de doenças. Nesses casos, assim como acontece com os porcos rastreados, o veterinário é avisado do problema, evitando-se assim a disseminação de moléstias. Não vai demorar muito para o cliente do restaurante perguntar ao garçom sobre o singelo frango do cardápio e receber como resposta algo como “ele foi um animal feliz e saudável”.