A jovem que planta sementes de evolução

Fernanda Falcão representa a terceira geração de sua família na produção agrícola e tem a mis


Edição 9 - 23.04.19

Fernanda Falcão representa a terceira geração de sua família na produção agrícola e tem a missão de garantir o crescimento do padrão de qualidade. Para isso, aprende com o passado, aprimora o presente e fica muito atenta ao futuro

Por Romualdo Venâncio | Fotos Emiliano Capozoli

Patrocínio: Corteva Agriscience

A jovem agrônoma Fernanda Falcão, 37 anos, carrega, literalmente, a responsabilidade pelo futuro da família Falcão. Em março passado, quando recebeu a equipe do projeto TOP FARMERS em uma das propriedades do grupo que tem seu sobrenome, em Sarandi (RS), levava em seu ventre aquele que será o primogênito da quarta geração dos Falcão. Também nos negócios, porém, o peso da sucessão está em suas mãos. Fernanda é a gerente técnica e responsável por toda a produção agrícola da Sementes Falcão, empresa criada em 1986 pelo pai, Humberto, e que já era uma evolução dos empreendimentos agrícolas do avô, Manoel Antônio. E não lhe faltam atribuições. Apenas a soja, principal cultura do negócio, ocupa áreas que hoje vão de 1.500 a 2.000 hectares, entre terras próprias e de parceiros, com produtividade em torno de 75 sacas por hectare e rendimento de 4 mil toneladas (100 mil sacos de 40 quilos) de sementes por ano. Também estão sob sua gestão as lavouras de trigo e aveia branca, para produção de sementes, e de milho de sequeiro, destinado ao fornecimento de grãos.

Futuro e compromissos com o presente seguem juntos enquanto Fernanda caminha pela lavoura. A responsabilidade de assegurar os melhores resultados agronômicos vem acompanhada pelos laços aos princípios estabelecidos por Humberto, sobretudo em relação aos padrões de qualidade e ao respeito ao meio ambiente e ao mercado no qual atuam. Do ponto de vista conceitual, a missão até parece tranquila. Fernanda cresceu acompanhando os passos do pai na fazenda e viu bem de perto cada etapa da construção do negócio. Desde criança, conta, vivia pela propriedade — algumas vezes a passeio, para o churrasco de final de semana, outras porque ali era sua creche. “Houve um período, antes de meus irmãos nascerem, em que eu passava o dia com meu pai, pois minha mãe também trabalhava fora e eu não tinha com quem ficar”, lembra. Os irmãos são Henrique, o gerente comercial da empresa, e Artur.

Fernanda nasceu em 1981, ano em que o pai se formou em Agronomia, pela Universidade de Passo Fundo (UPF). “Ele sempre acompanhava o setor em busca de novidades e quando saiu da faculdade estava ainda mais cheio de ideias. Daí veio o projeto de produzir sementes. O objetivo inicial era de atender nossa própria demanda, mas deu tão certo que logo passamos a atender o mercado”, comenta. Quando chegou sua vez de encarar o vestibular, não havia dúvidas sobre a escolha. “Não conseguia me imaginar realizando outra coisa que não fossem as atividades aqui da fazenda, principalmente no campo.” Fernanda concluiu o curso de Agronomia em 2006, também pela UPF. E seguiu estudando. “Logo que saí da faculdade, fiz mestrado em produção de sementes e MBA em gestão no agronegócio.”

“É preciso evitar essa distinção de gêneros, pois tudo é uma questão de capacidade e conhecimento, independentemente de ser mulher ou homem.”

O envolvimento da vida toda com a fazenda não garantiu privilégios a Fernanda quando de fato ingressou no negócio. Como em qualquer outra empresa, teve de conquistar seu espaço. Ao ser apresentada pelo pai como a nova agrônoma, sabia que entre os colaboradores havia profissionais cujo conhecimento prático superava a teoria que trazia da faculdade. Os que tinham mais anos de casa a viram crescer, inclusive.  “Tanto eu quanto meu irmão não viramos gerentes e saímos mandando em tudo Primeiro passamos por todas as etapas do negócio”,  diz Fernanda. “Pelo fato de sempre me mostrar disposta  a aprender, acabei conquistando o respeito da equipe e sendo muito bem aceita.”

A evolução gradual no grupo e a contribuição de Fernanda para o desempenho da Sementes Falcão acabaram impactando em sua agenda. Surgiram convites para eventos técnicos e encontros sobre o crescimento da agricultura e solicitações para entrevistas nos veículos de imprensa especializados em agronegócio. Aos poucos, foi se tornando  uma referência da presença feminina no campo.  “Isso tudo aconteceu de maneira bastante natural  e benéfica”, analisa. “Fico contente de poder  incentivar outras mulheres e meninas mais  novas envolvidas com Agronomia.”

Fernanda considera que no universo agropecuário os desafios são maiores para as mulheres. “De maneira geral, em um primeiro momento, precisamos mostrar muito mais conhecimento do que os homens”, diz. Ela garante jamais ter sofrido, diretamente, nenhum tipo de descriminação e procura não polemizar o assunto. “É preciso evitar essa distinção de gêneros, pois tudo é uma questão de capacidade e conhecimento, independentemente de ser mulher ou homem.” O fato de não ser a única mulher da família na empresa reforça seu entendimento sobre o tema: a gerente administrativa da companhia é Enriete Viacelli Falcão, sua mãe. “Ela foi fundamental no processo de crescimento da Sementes Falcão”, comenta Fernanda.

História de pioneirismo

A empresa completou 32 anos de existência, mas a relação da família com a agricultura já soma quase meio século. Foi lá nos anos 1970 que Manoel Antônio Falcão,  o avô de Fernanda, recebeu 3,3 mil hectares no município de Poxoréu, em Mato Grosso, como pagamento por um automóvel DKW-Vemag. “Até brincavam com meu avô, na época, dizendo que havia trocado um carro que valia muito dinheiro por um monte de terra que não valia nada”, lembra a agrônoma. Com certeza não fariam tal comentário hoje em dia. As terras estão em Primavera do Leste, cidade que fazia parte de Poxoréu e ganhou notoriedade exatamente por conta da produção agrícola.

Imigrante português, Manoel Falcão tinha apenas 13 anos de idade quando chegou com a família à cidade de São Paulo. Para superar as dificuldades da falta de recursos, passou a vender palha de aço com sua irmã, batendo de porta em porta. O envolvimento com  o comércio o levou a um emprego em uma loja de tecidos. “Foi aí que ele passou a conhecer todo o Brasil. Em 1955, chegou a Passo Fundo, conheceu minha avó, casou-se com ela e se estabeleceu na cidade”, conta Fernanda. Naquela época, ele tinha um jipe para rodar pelo País, que acabou vendendo, após muita insistência do comprador. “A partir daí meu avô começou  a negociar veículos também, tanto que uma das primeiras lojas multimarcas de Passo Fundo foi dele.”

“Temos de estar preparados, pois  o crescimento agrícola será cada vez  mais rápido. Agricultura digital, inteligência artificial  e outras tecnologias  permitirão que o Brasil cresça ainda mais como exportador e com sustentabilidade”

Foi também na década de 1970 que Manoel comprou as terras no Rio Grande do Sul. “Naquela época, era mais comum o plantio de arroz nas fazendas. Meu avô foi um dos primeiros a investir em lavoura de soja na região e pioneiro no cultivo do grão lá em Primavera do Leste”, relata Fernanda. Humberto foi o único dos três filhos de Manoel que escolheu a agricultura como carreira. “Ele conta que meu avô sempre trazia os filhos para a fazenda com  o argumento de que era para aprenderem a dirigir. Mas na verdade queria saber quem se interessaria pela agricultura.” Além de optar pela atividade, o pai de Fernanda se dedicou a agregar valor à produção e fazer o negócio prosperar.

O primeiro desafio foi combater a erosão e cuidar da fertilidade do solo, substituindo o sistema convencional, com as terras aradas e gradeadas,  pelo plantio direto. Iniciado em 1982,   esse processo envolveu correção de solo e culturas de cobertura  para a entrada de soja e milho. Em 1997, a partir de uma parceria com a Embrapa Trigo e a Emater-RS,  a fazenda da Sementes Falcão tornou-se laboratório para um projeto inédito de terraceamento (divisão de áreas de declive em rampas menores para reduzir  a força de escoamento da água das chuvas e evitar erosão) em plantio direto. O objetivo do experimento era validar o programa de computador chamado “Terraço for Windows”, que a partir de uma série  de variáveis calculava os espaçamentos máximos entre os terraços. “Esse projeto nos permitiu manter  a água da chuva na propriedade e alcançar  excelentes níveis de nutrientes e fertilidade em nossas terras”, avalia Fernanda.

Qualidade e tecnologia

Esse cuidado com a qualidade do solo também é aplicado nas terras dos parceiros. “O processo  de produção de sementes começa bem antes do plantio, por isso contamos com técnicos que avaliam as áreas  de cooperação, fazem um minucioso controle de plantas daninhas, garantem o plantio nas datas exatas e com os cultivares mais adequados para aquela determinada região e suas condições”, detalha Fernanda. O monitoramento segue durante as fases de desenvolvimento das lavouras, com um profissional devidamente capacitado em cada campo de produção, que avalia se as sementes estão ou não em ponto de colheita.

Já dentro da unidade de processamento, as sementes passam por um rigoroso processo de limpeza, o que evita a mistura de cultivares, visto que diferentes espécies são colhidas em um mesmo período. “Nossa estrutura tem capacidade para receber diversos cultivares na mesma época, com selo  e termometria que nos permite ter um eficiente controle do armazenamento”, explica Fernanda. É notório o aumento  do brilho nos olhos conforme  vai mostrando e descrevendo os procedimentos de controle de qualidade.

O laboratório de sementes é atração obrigatória no tour pelas instalações da empresa, sobretudo pelo que representam as análises ali realizadas. “Fazemos vários testes desde antes da colheita no campo. Depois avaliamos germinação e vigor, fatores nos quais trabalhamos com níveis acima do que o Mapa (Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento) exige, pois sabemos a importância disso para o cliente e para sua rentabilidade”, observa Fernanda. O fato de seu pai sempre ter encarado a tecnologia como aliada na evolução do negócio estimulou a abertura a inovações. “A Sementes Falcão foi uma das primeiras empresas a ser informatizada na região.” Essa concordância levou a família a optar pela automatização do sistema de embalagem das sementes, o que proporcionou mais agilidade e precisão no processo.

Como parte dessa modernização, há dois anos a Sementes Falcão inaugurou uma unidade de tratamento de sementes totalmente robotizada, que elevou a capacidade de beneficiamento para 240 toneladas de sementes por dia. Essa ampliação é resultado de uma parceria com a Bayer, que disponibilizou para a empresa um equipamento conhecido por CBT 200, que tem alta precisão na aplicação dos insumos químicos ou biológicos, como fungicidas, inseticidas ou nematicidas, aumentando a eficiência e a segurança do manejo no campo. Além dos ganhos em produtividade na linha de produção, essa aposta agrega valor às sementes e garante mais praticidade para os clientes, que recebem o produto já protegido e direcionam a atenção apenas para o plantio e o manejo das culturas.

A informatização também é um caminho para oferecer mais segurança ao mercado. Há cerca de três anos, a empresa disponibilizou um aplicativo de rastreabilidade chamado Tracker, ferramenta desenvolvida por Henrique, irmão de Fernanda, com um profissional de programação. “Por meio da leitura  do QR Code na sacaria, o comprador  tem acesso a todas as informações de  que precisa sobre o lote daquela embalagem”, explica Fernanda.

Futuro promissor

A meta de crescimento da Sementes Falcão é de dobrar a produção nos próximos cinco anos. Atualmente,  são 850 hectares de áreas próprias destinados exclusivamente às lavouras. No verão, 680 hectares são cultivados  com soja para produção de sementes, enquanto os outros 220 são cobertos  com milho, cuja produtividade média  é de 200 sacas por hectare. No inverno,  o espaço da soja recebe aveia branca  e trigo. A proporção de área para cada uma dessas culturas depende das condições climáticas e mercadológicas. As terras de milho recebem culturas apenas de cobertura, como nabo ou aveia, que nem chegam a ser colhidas.

Em Primavera do Leste, naquelas terras da troca pelo DKW-Vemag,  há 1,8 mil hectares cultivados com soja, que em anos bons produz em média 70 sacas por hectare, e outros 800 com  milho, que rende 160 sacas por hectare.  A colheita toda dos dois grãos vai para  a indústria. “Meu avô ainda tem uma propriedade em Soledade (Rio Grande  do Sul), onde cria cavalo Crioulo e gado  de corte”, acrescenta Fernanda.

A agrônoma demonstra segurança de que estão no rumo certo, acompanhando o processo de evolução do agronegócio. “Temos de estar preparados, pois  o crescimento agrícola será cada vez  mais rápido. Hoje já falamos em agricultura digital, inteligência artificial  e outras tecnologias que trarão diversos benefícios para os produtores e permitirão que o Brasil cresça ainda mais como exportador e com sustentabilidade”, avalia Fernanda, que está mais comprometida do que nunca com o futuro.

Está previsto para o mês de julho  o nascimento de seu primeiro filho,  que vai se chamar Pedro e tem chances de também tomar gosto pela Agronomia. O marido de Fernanda, Rodrigo Minguine, também é engenheiro agrônomo. “Sabemos que, de certa forma, fazemos os filhos para o mundo e que cada um escolhe o caminho a seguir,  mas não vamos deixar de envolvê-lo  na atividade, mostrar como funciona”, comenta. Fernanda teve de diminuir  o ritmo nessa fase da maternidade. “Graças às novas tecnologias também consigo trabalhar em casa. Isso permite que eu realize minhas tarefas com tranquilidade e cuide bem de minha saúde”, diz a agrônoma.

Cuidar bem da saúde é algo que Fernanda aprendeu logo cedo, pois descobriu que tinha diabetes tipo 1  aos 14 anos. Ela relata que foi um baque, pois bem na adolescência precisou mudar toda sua rotina de uma hora para outra. Por causa da doença também precisou ser ainda mais cuidadosa com  a gravidez. Essa trajetória lhe trouxe o amadurecimento necessário para encarar com serenidade cada momento. “E daqui a pouco o Pedro vai estar por aqui  e vamos trazê-lo para a fazenda para que acompanhe desde cedo as atividades.”

 

FERNANDA VIACELLI FALCÃO

38 anos, casada

Cargo: gerente técnica – responsável por toda a produção agrícola e controle de qualidade das sementes

Faturamento: não divulgado

Participação nos negócios:

Área de plantio – terras próprias: 850 hectares

Área total de plantio – terras próprias e de parceiros: 1.500 a 2.000 hectares

Área de soja – 80% de toda a área cultivada

Produção: 4 mil toneladas de sementes por ano (100 mil sacos de 40 quilos)

Hobbies: viajar, cozinhar e se reunir com familiares e amigos

 

TAGS: Fernanda Falcão, Sementes, Soja, Top Farmers