O apagão dos agroquímicos

Por COSTABILE NICOLETTA Desde 1993, Jones Yasuda, presidente da Companhia das Cooperativas Agrícola


Edição 12 - 19.12.18

Por COSTABILE NICOLETTA

Desde 1993, Jones Yasuda, presidente da Companhia das Cooperativas Agrícolas do Brasil (CCAB Agro), produtora de defensivos genéricos, visita profissionalmente a China pelo menos duas vezes por ano. Em 2018, porém, suas idas para o Extremo Oriente dobraram de frequência. Assim como os demais fabricantes de defensivos agrícolas instalados no Brasil, sua preocupação foi garantir o suprimento de matérias-primas e insumos intermediários para os produtos que saem de suas unidades industriais para serem aplicados no campo e contribuírem com os bons resultados do agronegócio brasileiro.

“Minhas viagens à China são para entender melhor o mercado local, saber quem produz as matérias-primas de agroquímicos, em quais províncias, como está a relação dessa província com o governo central, para nos certificarmos de que não teremos desabastecimento nem sejamos apanhados de surpresa”, afirma Yasuda. “Na China, essas informações não são públicas nem há estatísticas para isso. Só se consegue obtê-las na reunião cara a cara com eles, visitando as províncias e as fábricas.”

O presidente da CCAB Agro diz que a empresa está trabalhando no fortalecimento de uma estrutura de suprimentos para entender melhor todo esse processo e fazer a formalização de seus compromissos de compra com as empresas que têm capacidade de produção dentro das novas normas. “Hoje, estamos com 100% da demanda encaminhada para os agricultores aqui no Brasil e com algum volume em trânsito.”

A iniciativa de Yasuda tem origem em um temor que afeta todo o setor de agroquímicos – e, por consequência, aqueles que dependem deles para combater pragas e aumentar a produtividade. A China é o principal fornecedor dos produtos químicos usados na formulação dos defensivos. Nos últimos três anos, porém, conseguir esses insumos lá tem se tornado bem mais difícil. Por conta de um bem-vindo rigor na aplicação de exigências ambientais, o governo central chinês determinou o fechamento ou a transferência para outras regiões de mais de 700 fábricas de matérias-primas e sínteses de ingredientes ativos. “O resultado disso foi a escassez de fornecimento e o aumento de custos”, diz o diretor executivo da Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos (Aenda), Tulio Teixeira de Oliveira. “Estamos preocupados, pois os preços ofertados para o Brasil poderão não voltar ao que eram.”

A Aenda já recebeu, por exemplo, notícias de não fornecimento do herbicida Glifosato – o principal agente nas lavouras transgênicas – para algumas empresas e também do inseticida Tidiazurom. “O problema só não foi maior nesta safra 2017/18 porque os estoques da rede distribuidora eram bem altos”, analisa Oliveira. “O aumento de preços foi amortizado com esses estoques. Para a safra 2018/19, creio que teremos mais reflexos nos preços. Infelizmente, não vemos uma saída fácil para o problema, pois os custos de fabricação no Brasil são mais altos, tanto que reduzimos consideravelmente nossa produção e fizemos da China nosso principal fornecedor. A Índia também é um bom abastecedor, mas não na escala da China.”

O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) também não esconde a apreensão. Em nota, informa que, devido à grande quantidade de importações de ingredientes ativos, matérias-primas, intermediários e produtos formulados oriundos da China, o fechamento das fábricas nesse país gerou grande preocupação no setor. “Por conta da diminuição da oferta, para este ano era esperado o aumento médio de 30% no preço de alguns produtos, além de possíveis interrupções de fornecimento, o que exige planejamento dos produtores para as próximas safras”, anotou o Sindiveg. “No entanto, a redução de oferta causada pelo problema na China contribuiu de certa maneira para equilibrar os estoques nos distribuidores e nas cooperativas do Brasil.”

DIRETO NA FONTE

Marcelo Abdo, vice-presidente da Ourofino Agrociência, fabricante de defensivos genéricos, relata que o setor como um todo sofreu com a falta de produtos e, consequentemente, com o aumento dos preços. “No início, os altos estoques no canal de distribuição no Brasil amenizaram o problema no tocante ao consumidor final, no caso, o produtor”, diz o executivo. “Com o passar do tempo, os estoques foram diminuindo e um repasse ao valor se tornou inevitável.” Abdo diz que 2017 foi um período muito bom em vendas, mas teria sido espetacular se não fosse a falta de matéria-prima. “Para ter uma ideia, deixamos de efetivar vendas estimadas em R$ 115 milhões, dos quais R$ 85 milhões viriam de vendas cujos pedidos já haviam sido tirados.”

Em sua opinião, todo o mercado de defensivos agrícolas mundial sofreu e ainda sofrerá impactos com a reestruturação chinesa. “A Ourofino Agrociência, desde o início de seu trabalho, mantém em Xangai, na China, uma equipe especializada e focada em mitigar o risco de fornecimento e nos aproximar dos atuais fornecedores, além de prospectar novos. O trabalho é feito in loco e, assim, o relacionamento é estreito, o que possibilita checar a produção dos fornecedores, garantindo o padrão de qualidade exigido. Trabalhamos por uma estratégia assertiva, que minimize os problemas em nosso dia a dia nas importações.”

Eduardo Leduc, vice-presidente sênior da Divisão de Soluções para Agricultura da Basf para a América Latina, diz que a empresa acompanha os acontecimentos na China. “A oferta de matéria-prima tem sido afetada desde o ano passado, mas estamos atentos a esse movimento para minimizar impactos no fornecimento aos nossos clientes. Isso exige um esforço de planejamento e logística para nos ajustarmos às oscilações de custos e fornecimento de matéria-prima chinesa.”

Leduc concorda que os elevados estoques nos últimos anos minimizaram o impacto do fornecimento de matérias-primas e princípios ativos no mercado brasileiro. “A partir desta safra, é importante que o agricultor faça um planejamento mais cuidadoso e antecipado da sua demanda para assegurar o bom desenvolvimento da sua lavoura. Vale ressaltar que a adequação ambiental e trabalhista de milhares de fábricas na China deve se estender por alguns anos. Com isso, acreditamos que a normalização do fornecimento de matéria-prima ocorrerá após dois ou três anos.”

O mercado de defensivos brasileiro depende de matérias-primas e princípios ativos importados. A Europa é a principal fornecedora da Basf. Já a China cumpre um papel importante no fornecimento de produtos intermediários. Assim como Oliveira, da Aenda, Leduc considera que uma das alternativas em médio prazo pode ser a Índia: “No entanto, esse país precisará investir em produtos de qualidade e os registros de seus defensivos no Brasil necessitariam ser adequados para incluí-los como fornecedores nos órgãos governamentais”.

Em nota, a Syngenta (fabricante de defensivos pertencente ao Grupo ChemChina) afirma que o difícil acesso a algumas matérias-primas tem relação direta com o processo de reestruturação industrial pelo qual passa a China – país que concentra alto percentual de produção de insumos agrícolas. Tal processo tem ocasionado a redução da disponibilidade de produtos, bem como o aumento de custos aplicado ao mercado global. Como a China é um importante produtor e exportador de ingrediente ativo, continua a nota, mesmo as empresas que têm suas fábricas em outras regiões deverão sofrer impactos ligados ao suprimento e ao aumento de custos. “A Syngenta tem parcerias estratégicas de longo prazo na China há mais de 20 anos, nas quais os padrões ambientais e de segurança são elevados, o que possibilita uma melhor capacidade de antecipar as demandas, diminuindo os riscos de falta de produto.”

ALTERNATIVA BIOLÓGICA

A escassez no segmento de defensivos agroquímicos pode favorecer outras tecnologias. Segundo a diretora executiva da Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBio), Amália Piazentim Borsari, a demanda por biodefensivos já vinha crescendo nos últimos anos porque houve maior conscientização por parte dos agricultores quanto à importância das práticas de Manejo Integrado de Pragas e Doenças (MIP e MID) para o sucesso no controle. Essas práticas preveem o uso de biodefensivos em conjunto com outras técnicas de manejo, a fim de reduzir a população de pragas, de modo a favorecer o equilíbrio natural, evitando resistência.

As empresas de controle biológico empregam técnicas que utilizam insetos, fungos, vírus e bactérias no combate às pragas agrícolas. Pesquisa realizada entre a ABCBio e a Informa/FNP mostrou que 96% dos produtores agrícolas entrevistados acreditam no crescimento desse mercado nos próximos cinco anos. “Na visão da indústria, isso já é uma realidade. Verificamos um aumento de 25% de hectare tratado no ano de 2017, o número de empresas em cinco anos dobrou e o número de registros passou de 1 produto em 2006 para próximo a 200 em 2018”, explica Amália. “De acordo com nosso Comitê Estatístico, a perspectiva é de fecharmos 2018 com crescimento superior ao de 2017.”

O mercado global de biodefensivos também aponta crescimento ano a ano. Segundo pesquisa realizada pela Agribusiness Consulting Informa em 2017, o mercado de biodefensivos na América Latina deverá expandir-se mais de 40% até 2021. Além da eficiência no controle, diz Amália, na opinião dos próprios produtores entrevistados, os aspectos da maior segurança ambiental e para a saúde humana, tanto de quem aplica os produtos como de quem consome os alimentos, é o forte apelo motivacional de uso dos produtos biológicos. A alternativa existe, mas é insuficiente para aliviar, em maior escala, os efeitos de um possível apagão dos agroquímicos. O setor de biodefensivos ainda ocupa uma fatia muito pequena do mercado e, apara que se expandisse rapidamente, exigiria volumes de investimentos muito altos. Em 2017, esse segmento faturou R$ 527,7 milhões de reais (US$ 164,9 milhões, pela cotação de fevereiro de 2018), correspondendo a apenas 1,5% do faturamento total do setor de defensivos no País.

TAGS: Agroquímicos, Defensivos Agrícolas