De Commodities a Grandes Marcas

Estive há alguns dias, pela primeira vez, nas vinícolas chilenas. Tinha ouvido sobre as maravilhas


02.07.18

Sócia-Diretora da Biomarketing, consultoria e agência de publicidade focada no agronegócio. Mestra em Comportamento do Consumidor.

Estive há alguns dias, pela primeira vez, nas vinícolas chilenas. Tinha ouvido sobre as maravilhas dos tours das vinícolas da região e, ainda assim, me surpreendi com a experiência cultural, gastronômica e turística vivida. Referência mundial em qualidade de vinho, o país é destaque por alguns atributos regionais, como geografia, solo e clima. Porém, o Chile criou muito mais do que simplesmente bebidas de alta qualidade. Construiu, por meio de mérito e excelente marketing, valor de origem e experiência de consumo. Não há concorrência direta aos vinhos chilenos, porque embora hajam produtos de qualidade e processos semelhantes, a origem será sempre um diferencial de valor agregado, impossível de ser copiado por outros países. Quarto maior exportador de vinho, o Chile criou marca referência no mundo e, embora não seja a mais cara, é considerada uma das origens de maior valor agregado para o consumidor final. Comprovação deste sucesso é a preferência brasileira pelos rótulos chilenos; somos os maiores importadores de vinhos do país. E diante disso tudo, quais aprendizados doutrinados pelos nossos vizinhos latinos?

Somos fortes na matéria-prima, porém fracos na fabricação e adição de valor aos produtos dela resultantes. Embora exista dependência mundial na produção agropecuária brasileira, mantemos o patamar de simples produtores e exportadores de commodities. O Brasil é o celeiro do mundo. De acordo com a FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nation), seremos responsáveis por 40% da produção mundial de alimentos em 2050. Ou seja, alimentaremos, em valores brutos e generalizados, 4 bilhões de pessoas por dia em pouco mais de 30 anos. Somos muito bons na produção de commodities, com matérias-primas de alto valor agregado. Cada grão produzido em nossos campos carrega um imenso investimento em tecnologia. Porém, temos um longo e importante caminho a percorrer para transformar nossas commodities em produtos de consumo final, lembrando que não basta adicionar valor à mercadoria, é preciso gerar também percepção de valor ao consumidor.

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São grandes as nossas oportunidades para agregar valor ao processo de produção agropecuária brasileira. Ofertamos ao mercado a matéria-prima, com baixa percepção de valor agregado, que é adicionada aos produtos por outros países, importadores do Brasil. Concentramos a produção nos bens primários, porém nossos respeitáveis diferenciais e investimentos em tecnologia e sustentabilidade agropecuária não são identificados pela ponta do consumo se não houver o esforço de apresentação deste valor acumulado. Outros países compram nossas commodities e as transformam em marcas de alto valor, incrementando a rentabilidade de mercado. Quem importa agrega valor e, muitas vezes, este produto retorna ao Brasil para nosso consumo. Exportamos ferro para China e importarmos seus trilhos; exportamos café para Alemanha, que reexporta o produto ao mundo.

Mas afinal, por que investir em valor agregado? O mercado de commodities é concorrido e instável, um risco para produtores e toda a cadeia. Enquanto vendermos commodities, a concorrência será acirrada. Agregar valor aos produtos é reduzir a insegurança comercial e driblar consumidores sensíveis a preço. Preço é montante financeiro, já valor envolve percepções. Relações dirigidas por preço são perigosas, pois a melhoria de processos do concorrente permite descontos ou preços mais competitivos, que são fatores atrativos e muitas vezes suficientes para que o consumidor troque de fornecedor. Nestas transações, as margens são apertadas e arriscadas e as chances de relacionamentos lucrativos e de longo prazo são menores. Por outro lado, operações de valor não são guiadas por preço, mas por percepções únicas, difíceis de serem copiadas. São relações leais, de longo prazo e de melhores margens.

Tão ou mais importante que agregar valor aos nossos produtos é tornar este valor percebido pelo mercado consumidor. É preciso construir percepções de valor e, para isso, a comunicação, marketing e relacionamento com clientes são fundamentais. Tudo é commodity até que se crie um diferencial. Agregar valor às commodities é diferenciá-las a ponto de passarem a ser marcas reconhecidas. E para criar marca de valor no agronegócio é preciso reconstruir o significado das commodities do campo. Se necessário, rever procedimentos, produtos e entregas, para que o valor do processo seja consumido e reconhecido pelo comprador. Para gerar esta percepção de valor, muitas são as estratégias possíveis: plano de estruturação de marca, investimento em comunicação, embalagem, canais de venda, atendimento, serviço de pós-venda, gourmetização, sustentabilidade, entre outras.

Também fundamental é apresentar o valor agregado que é realmente percebido pelo mercado consumidor. Estudos de mercado são essenciais para compreender a legítima identificação de valor na compra e consumo. Não vale o investimento em atributos que a empresa considera como valorosos, mas que não são reconhecidos pelos compradores. É preciso identificar o diferencial da empresa, marca ou produto e cruzá-lo com a percepção de valor do comprador. Não somente o fator racional é importante neste processo, com incremento dos fatores tangíveis e intangíveis, como qualidade do produto, relacionamento com empresa e pós-venda, mas também o fator emocional, que faz com que a marca seja desejada pelo consumidor, de forma inconsciente.

O agronegócio brasileiro tem grande potencial para agregar valor e boas ferramentas para diferenciar seus produtos. Características como garantia de origem e rastreabilidade, controle de qualidade, certificações, responsabilidade com as pessoas e o meio ambiente, são formas de diferenciar nossas commodities e agregar valor ao produto final. Somos excelentes produtores de commodities, e assim seremos por algum tempo. Por ora, é importante a exportação para o reconhecimento e avanço do agronegócio brasileiro no mundo, bem como para garantir a relação comercial com países importadores, que demandam nossas matérias-primas. Porém, é importante guiarmos nossos negócios para que possamos também investir na criação e exportação de marcas de valor, e assim aumentar ainda mais a rentabilidade do campo.

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TAGS: Agronegócio, Marcas