Perda e desperdício de alimentos: de quem é a culpa?

Duas semanas após a eclosão da greve dos caminhoneiros e os enormes prejuízos ainda são contabil


04.06.18

Sócia-Diretora da Biomarketing, consultoria e agência de publicidade focada no agronegócio. Mestra em Comportamento do Consumidor.

Duas semanas após a eclosão da greve dos caminhoneiros e os enormes prejuízos ainda são contabilizados. O agronegócio brasileiro sofreu e as lesões foram generalizadas, de ponta a ponta da cadeia produtiva. Frigoríficos, agricultores e pecuaristas tiveram dificuldade no abastecimento básico de insumos para operação das atividades e no escoamento da produção, resultando em enormes danos. Em uma semana de greve, as perdas somaram R$ 34 bilhões, sendo R$ 8 a R$ 10 bilhões pertencentes à pecuária de corte (ABIEC). O prejuízo aos produtores de frangos e suínos foi de R$ 3 bilhões (ABPA). O segmento de leite  perdeu R$ 180 milhões por dia (Viva Lácteos).

O desperdício de alimentos e a morte de animais mobilizaram a sociedade como um todo. Vídeos de frangos mortos e descarte de leite chocaram internautas nas redes sociais; foram 64 milhões de mortes de aves (ABPA) e 300 milhões de litros de leite que foram literalmente pelo ralo. Com o tema em destaque, vale à pena evidenciar números presentes no nosso dia a dia, alheios à greve. Em média, 1 bilhão de pessoas sofrem com a desnutrição e falta de alimentos adequados. Desperdiçamos um terço de toda comida produzida no mundo, o que representa aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas de alimentos por ano e gera prejuízo econômico de cerca de US$ 750 bilhões (FAO).

Um dos objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas é “acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”. Para isso, falamos em produzir mais. Entretanto, atrelada a esta meta, deve estar também a redução da perda e do desperdício, que sozinha não resolveria o problema da fome mundial, mas diminuiria a insegurança alimentar vivida por mais de 22% dos brasileiros (IBGE). Até 2050, o Brasil será responsável por 40% da produção mundial de alimentos. Ironicamente, referência em produtividade, estamos entre os 10 países que mais desperdiçam comida no mundo, com descarte superior a 40 mil toneladas de alimentos por dia. Quando falamos em frutas, legumes e verduras, quase metade do que é colhido é descartado (FAO).

A perda e o desperdício estão presentes em todos os elos da cadeia produtiva, das indústrias e fazendas à logística, varejo e consumo. Em países desenvolvidos, o desperdício concentra-se no consumo final; já em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, a concentração de perda está no início da cadeia produtiva. No mundo, 54% da perda ocorre na fase inicial da produção, em virtude da carência da infraestrutura de estocagem e escoamento, e 46% nas etapas de processamento, distribuição e consumo (FAO). No Brasil, 10% está nas fazendas, 50% no transporte e armazenamento, 30% no comércio e 10% está associada ao desperdício do consumidor.

Esta perda e desperdício geram prejuízos irreparáveis, voltados à fome e insegurança alimentar, problemas ambientais, sociais e econômicos. Desperdiçamos por vários fatores, como a valorização da abundância, armazenamento inadequado, baixo planejamento de compra, encantamento financeiro por embalagens econômicas, exigência de padrões estéticos dos alimentos, como tamanho, formato ou coloração.

O marketing pode, deve e tem sido um aliado do combate ao desperdício no ponto de venda. Mais de 40% das pessoas associam produtos esteticamente fora do padrão a itens impróprios para consumo. Visto isso, uma das ações pioneiras do combate à rejeição dos vegetais fora de padrões estéticos foi lançada na França. O argumento motivador da compra dos chamados “Vegetais Inglórios” era a semelhança da qualidade nutricional e de sabor destes alimentos em comparação aos considerados, no senso comum, dentro do padrão. No Brasil, a maçã da Turma da Mônica é outro exemplo bem-sucedido do marketing voltado ao consumo consciente. A marca foi criada como alternativa de venda para as maçãs menores e esteticamente menos atrativas, que antes eram descartadas ou vendidas a baixo preço; destinada ao público infantil, agregou valor e estimulou o consumo.

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Exemplos como estes não faltam. A Save Food, com apoio da FAO, é uma das referências no combate ao desperdício, e envolve governo, sociedade civil, pesquisadores e setor privado em prol de soluções contra este problema. Os aplicativos também se uniram contra o desperdício. O Comida Invisível conecta a sobra de comida às pessoas que precisam. A campanha Sem Desperdício, da Embrapa, visa conscientização dentro do campo, com educação voltada aos produtores. Os supermercados brasileiros também desenvolvem ações de estímulo às vendas nas prateleiras, ao oferecer descontos de até 40% nos produtos com validade próxima ou mesmo 30% nos alimentos fora do padrão estético.

Para combater o desperdício, é preciso investir na educação de toda a cadeia, da produção ao consumo. No campo, deve-se investir na orientação de manuseio, colheitas, armazenagem, implantação e disseminação de recursos tecnológicos. A logística deve ser instruída a respeito do transporte adequado. Nas escolas, o investimento deve ser na educação nutricional. No ponto de venda, a orientação deve ser voltada aos estoques e estímulos de comercialização de alimentos fora do padrão. E, na ponta da cadeia, cabe educação voltada ao consumo consciente.

E então, de quem é a culpa?

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TAGS: Desperdício, FAO