Mike Stern, um unicórnio entre nós

Reportagem publicada na edição #03 de Plant (Março/Abril 2017) Por Luiz Fernando Sá / Fotos: Cri


Edição 3 - 17.01.18

Reportagem publicada na edição #03 de Plant (Março/Abril 2017)

Por Luiz Fernando Sá / Fotos: Cristiano Borges, de Rio Verde (Goiás)

Stern (à esq., na foto superior) e Barbosa, da Climate

Que aparência tem um unicórnio? No mundo das startups de tecnologia, ele frequentemente usa jeans, camisetas, é jovem e tem no bolso uma carteira recheada. A figura mitológica do cavalo com um chifre na testa é utilizada no mundo da inovação para batizar as empresas que, ainda em estágio inicial, recebem aportes generosos de investidores, a ponto de terem seu valor de mercado calculado na casa dos bilhões. São raros e valiosos, como os seres imaginários. O Facebook, de Mark Zuckerberg, é um deles. O Uber, de Travis Kalanick, também. A The Climate Corporation, de Mike Stern, pode se encaixar na categoria. Se você não conhece Stern, saiba que ele tem estado bastante entre nós. E que o Brasil tem papel fundamental na missão que ele carrega hoje de fazer valer o cheque de quase US$ 1 bilhão que a multinacional americana Monsanto preencheu para adquirir, em novembro de 2013, a companhia com sede no Vale do Silício. Para o primeiro unicórnio AgTech (empresa de tecnologia voltada para a produção agrícola), a resposta dos agricultores brasileiros ao seu principal produto – a FieldView, uma plataforma digital de monitoramento e gerenciamento da produção agrícola – será crucial para definir se a ambição da companhia de se tornar a referência global em agricultura digital. Se o conceito e o sistema desenvolvidos pela Climate for bem-aceito no segundo maior mercado produtor de alimentos do mundo, um bom passo nessa direção terá sido dado.

Leia entrevista de Mike Stern à PLANT

Fazer essa tradução é indispensável para alinhar discurso e prática, um desafio no mundo da agricultura. Os produtores são, em geral, empreendedores dispostos a inovar, mas precisam ser convencidos de que a inovação trará benefícios reais. E isso, para quem está vacinado pela visita constante de vendedores oferecendo toda espécie de traquitana tecnológica, muitas sem serventia, só se descobre na prática. Não é diferente com a FieldView. Antes de fazer o lançamento comercial da plataforma (que deve ocorrer ainda este ano, a tempo de ser utilizada na safra 2017/18), a Climate tratou de “tropicalizar” a ferramenta – que já tem registrados mais de 100 mil agricultores, com 38 milhões de hectares cadastrados, nos Estados Unidos, 6 milhões deles em sua versão paga – e colocá-la em testes por aqui. Cerca de 100 produtores brasileiros de Mato Grosso, Goiás e Bahia foram contatados e reservaram talhões de suas propriedades para avaliar o produto durante cerca de um ano. A primeira impressão foi positiva, embora não conclusiva. “É o primeiro ano que usamos. Ainda temos de ver o que vamos conseguir extrair de informação e trazer em aumento de produtividade ou redução de custos”, afirma Felipe Schwening, 32 anos, jovem que, ao lado do pai, Claudemir, comanda a operação da Fazenda Pai Manoel, com 3,1 mil hectares de soja transgênica plantada na safra 2016/17. “Mas já tivemos algumas experiências positivas com correções mais rápidas de alguns problemas no plantio e também fizemos testes de variação de velocidade do plantio para entender qual seria o efeito para a produtividade.”

Os produtores Claudemir e Felipe Schwening, da Pai Manoel

Cada detalhe como esse pode ter impacto na rentabilidade de uma lavoura. A plataforma fornece dados minuciosos sobre o desempenho de cada operação a partir de sensores instalados nos equipamentos usados, sejam plantadeiras, pulverizadores ou colhedeiras. Esses dados são enviados por banda larga para um servidor na nuvem e processados juntamente com informações históricas sobre clima, solo, produtividade etc., gerando relatórios e mapas de desempenho que permitem ao produtor tomar as medidas necessárias praticamente em tempo real. Tudo é acompanhado em tablets, que podem ser facilmente operados pela equipe da fazenda. “Hoje todos os operadores, mesmo os mais simples, têm smartphone, estão acostumados a mexer com os aparelhos. Fica mais fácil aprender a trabalhar com esse sistema”, afirma Claudemir Schwening, pai de Felipe.

Leia entrevista de Mike Stern à Plant

Não muito distante da Pai Manoel, a família Orlando também já faz contas do impacto do uso da FieldView em suas terras. Mesmo com 50 anos de diferença entre eles, o avô Vilmo, 77, e o neto Fernando, 27, têm opinião semelhante sobre o futuro das tecnologias digitais nas lavouras. “É um caminho sem volta. Não é bonito isso aqui, é necessário”, afirma o jovem agrônomo, a quem o avô, que chegou há 31 anos na região de Montividiu, em Goiás, para desbravar e consolidar a Fazenda São José, entregou o comando da propriedade. O foco primário de ambos está na redução dos custos da lavoura. “Se aumentarmos a velocidade das plantadeiras em 1 quilômetro por hora, podemos saltar de 15 para 20 hectares por dia e isso nos faria ter menos despesa”, exemplifica Fernando, que cultiva 2,45 mil hectares de soja convencional, com produtividade média de 75 sacas por hectare. “É quase uma covardia comparar o sistema novo com o antigo.”

Vilmo e Fernando Orlando, da Fazenda São José

Entre entusiastas e desconfiados, os produtores fazem observações e sugerem aperfeiçoamentos que tornem a plataforma mais próxima de suas necessidades. “Para cada safra, o produtor precisa tomar até 50 decisões, desde a escolha do tipo de semente, fertilizante, defensivo, maquinário, até armazenamento e comercialização”, afirma Mateus Barros, líder da The Climate Corporation para a América do Sul.  “O uso da tecnologia permite que ele analise cada talhão, entenda suas caraterísticas, e tome as decisões mais adequadas em cada um desses momentos.” Os agricultores às vezes querem algo mais. Na Fazenda Pai Manoel, um dos pontos levantados pela família Schwening foi uma possível integração da FieldView com outros programas que fazem a gestão de estoque ou financeira da propriedade. Isso, segundo Stern, é questão de tempo. A estratégia da Climate é permitir que outros desenvolvedores construam softwares baseados em sua plataforma e, assim, ampliem as possibilidades dos usuários. O modelo é semelhante ao dos fabricantes de smartphones, que abrem suas plataformas para os criadores de aplicativos. “Não achamos que temos de ser os inventores de tudo”, afirma Stern. “Estamos interessados em encontrar parceiros que possam trazer novas peças para o quebra-cabeça da agricultura digital.” O unicórnio AgTech tem ambição. E não brinca em serviço.

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