Ronaldo Caiado: “O agro precisa de um governante”

Por Izabelle Torres | Fotos Adriano Machado, de Brasília A voz marcante e a disposição para embat


Edição 3 - 25.11.17

Por Izabelle Torres | Fotos Adriano Machado, de Brasília

A voz marcante e a disposição para embates duros que deram notoriedade ao senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) têm se voltado para um novo foco nas últimas semanas. Referência de político do setor agrícola, bom de briga e defensor declarado dos interesses dos produtores rurais, Caiado se dedica ultimamente a conversas e discursos para lembrar que, diante da importância do setor agrícola para o PIB brasileiro – mais de 20% do total – e do uso dos números positivos da produção para melhorar a imagem do governo, o Executivo negligencia as necessidades dos produtores e cria obstáculos burocráticos e estruturais ao desenvolvimento, crescimento e transporte das safras. “Enquanto utiliza os números da safra recorde de 213 milhões de toneladas como argumento sobre os primeiros sinais de crescimento da economia, o governo ainda não apresenta respostas contundentes sobre as providências que serão tomadas em favor da agricultura brasileira”, afirma ele em conversa com a equipe de PLANT em seu gabinete no Senado, em Brasília.

Caiado é o mais incisivo e carismático entre os líderes da bancada ruralista no Congresso e se orgulha disso. É sempre alvo de assédio e de aplausos entusiasmados em suas aparições em eventos e feiras agropecuárias Brasil afora. O sucesso ele atribui à força política do setor e às vitórias durante a votação do Código Florestal e ao enterro de muitas outras propostas que chegam ao Congresso e que tinham o poder de atrapalhar o desempenho do agronegócio, que, aliás, considera sub- -representado no Executivo. “O setor rural precisa de um governante”, cravou, na entrevista, ao tratar do que considera a agenda prioritária para a agropecuária. E se colocou à disposição para a função, dizendo-se disposto a lançar seu nome na disputa à Presidência da República como representante dos produtores.

Plant: O senhor acredita que há um abismo entre a importância do setor agrícola para o País e a contrapartida dada pelo governo?
CAIADO: Sem dúvida. É muito comum nós fazermos uma análise macro do processo e ficar todo mundo entusiasmado, dizendo que a agronomia é o setor de sucesso, de maiores resultados. Realmente é a âncora da economia e seus números estão ajudando o governo, tanto que muito se tem falado de resultados e do sucesso da safra de 213 milhões de grãos. De fato, se você faz essa análise e coloca o volume produzido e multiplica pelo valor da soja, por exemplo, realmente você vai encontrar resultados bons. O problema é que ninguém está contabilizando toda essa falta de estrutura e apoio do governo, que provoca um resultado extremamente danoso para o agricultor. São problemas como estruturas precárias, atoleiros e dificuldades de obtenção de créditos com taxas diferenciadas.

Plant: A falta de estrutura é das estradas, já que quase 3 mil caminhões atolaram no Pará?
Caiado: É também, e principalmente. É uma somatória. Em todas as safras, o problema está na falta de rodovias, na dependência enorme das condições climáticas. Quando chove, as estradas somem. Então, sem conseguir transitar, você começa a ter outros problemas. Sem capacidade e boa estrutura para armazenar e secar o produto, haverá comprometimento do resultado final e a qualidade da soja ou do milho já não será a mesma. A dificuldade de transporte gera um aumento absurdo dos valores de frete. Aí, você não pode contar com a competitividade do setor porque fica no ombro do agricultor despesas como o frete, que em condições precárias está cada vez mais caro.

Plant: Há regiões com mais problemas do que outras, ou a dificuldade estrutural é generalizada?
Caiado: A questão da estrutura e do preço do frete não se limita a algumas regiões. É um problema de todos os lugares. Agora você tem 3 mil caminhões atolados na BR-163. Mas hoje, em Mato Grosso, na Cuiabá–Santarém, está todo mundo sem conseguir transportar a safra. Na minha região, no sudoeste goiano, você também vai encontrar uma dificuldade enorme com os fretes. Se você chega a Chapadão do Céu, Aporé ou Itajá não tem nem transporte. Não tem como transitar!

Plant: Mas a ideia que o governo passa, e precisa passar, é a de que o agronegócio é o setor de grande sucesso.
Caiado: Acho que quando você faz a análise sobre os resultados e o número de grãos, realmente fica parecendo que o cenário é bonito. Mas uma coisa é a capacidade do setor, a outra é a contrapartida que ele recebe do governo de um país que depende diretamente dele. O agro é o setor mais moderno, o setor que avança, que atinge maior produtividade e preserva meio ambiente. E, de repente, você nota que não há um bom resultado final. A realidade é mais dura. Afinal, você tem que chegar ao porto, enfrentar uma imensa burocracia, lidar com a política alfandegária, com as taxas de transporte marítimo, que são altíssimas. O que acontece hoje é que o governo se beneficia desses números positivos, mas esquece que toda incompetência do governo é repassada ao bolso do produtor.

Plant: Ainda há problemas com as taxas de juros?
Caiado: Empréstimos que foram tomados a 9,75%, por exemplo, para serem pagos em dez ou 20 anos estão agora muito altos por conta da nova política de juros, por causa da taxa Selic. Então, em vez de haver uma política diferenciada para atender ao setor rural, a inversão da política de juros faz com que o investimento que ele fez custe três vezes mais do que o valor calculado no ato do empréstimo. São gargalos. O pior é que esses problemas são reincidentes.

Plant: Representantes do agronegócio falam muito em insegurança jurídica.
Caiado: A insegurança jurídica, que aflorou muito no governo do PT, é outro problema enorme. Nós temos uma lei que determina que propriedade invadida não seria suscetível a desapropriação pelo prazo mínimo de dois anos e as pessoas que promoveram as invasões também não seriam atingidas no assentamento. Isso foi uma MP transformada em lei na época do Fernando Henrique Cardoso, mas durante 13 anos os governos do PT simplesmente descumpriram a norma. Então, as terras eram invadidas, depredavam o patrimônio, e o agricultor não tinha nenhuma garantia de que seria recompensado pelos danos praticados lá. Em muitas regiões do País, você fica esperando que órgãos do governo façam laudos antropológicos sobre as áreas. Hoje, se um laudo aponta que sua terra é indígena, ninguém quer saber. Nem mesmo se você alegar que está lá há três gerações ou mais, que tem o título de propriedade da terra e mostrar o pagamento pela área. Mesmo assim, o agricultor é simplesmente expropriado. E na expropriação você é obrigado a desocupar sem levar nada, sem ser sequer indenizado. Isso tem acontecido muito no Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul. São situações revoltantes diante de um processo que tenta cada vez mais dilapidar uma base única e competitiva internacionalmente.

Plant: O Ministério da Agricultura apresentou o Plano Agro+. É um caminho para resolver os problemas?
Caiado: Não é suficiente e não ataca os principais pontos.

“Nós competimos com europeus e americanos, que produzem e embarcam suas safras em navios, contêineres, em estradas perfeitas e rápidas, enquanto nós atolamos na lama. Estamos ganhando essa disputa porque o agricultor está arcando com os prejuízos.”

Plant: Como está a representatividade do setor no Executivo?
Caiado: Ainda é pequena. Mas acredito que a pesquisa tem uma fundamental importância. A Embrapa é um órgão vital para o setor e alavancador da capacidade de produção. O problema é que nos últimos anos a empresa foi sucateada, deteriorada pelos princípios ideológicos do PT. Em vez de investimentos em pesquisa, os últimos anos foram de sucateamento. A ideologia prevaleceu sobre a ciência, e a Embrapa perdeu cargos e estagnou a pesquisa. Hoje, estamos importando muito mais tecnologia em vez de estarmos desenvolvendo nossa tecnologia própria. Graças à ciência, conseguimos plantar soja em diferentes regiões do País, aumentamos a qualidade da carne e disputamos com os melhores exportadores do mundo e temos o boi verde, que não se alimenta de resíduos animais.

Plant: Apesar da falta de contrapartida governamental, o País vive uma evolução na agricultura?
Caiado: Não temos no Brasil nenhum setor da economia que sequer se equipare ao setor rural. Hoje, ele é o único que incomoda os grandes blocos, seja europeu ou o Nafta, pela capacidade de produzir em curva ascendente jamais vista em outro país. Há 20 anos, nós produzíamos 70 a 80 milhões de toneladas de grãos e hoje estamos chegando a 213 milhões de toneladas. Você percebe que nenhum outro país conseguiu isso. A revolução da agricultura é indiscutível. Nós competimos com europeus e americanos, que produzem e embarcam suas safras em navios, contêineres, em estradas perfeitas e rápidas, enquanto nós atolamos na lama. Estamos ganhando essa disputa porque o agricultor está arcando com os prejuízos. A renda que seria do agricultor está servindo para arcar com as falhas do governo.

“O produtor não suporta mais depender do governo e do clima, arcando 100% com os riscos.”

Plant: Esse sucesso se deve somente ao esforço dos ruralistas?
Caiado: Acredito que isso se deve a uma frente de apoio político que existe em torno do setor. Há 30 anos, nós tivemos a capacidade de nos organizarmos em torno da redação da Constituição para garantirmos, por exemplo, o direito de propriedade. A partir dali, nos organizamos e formamos uma frente suprapartidária em defesa da agricultura. Hoje é a frente mais consolidada do Congresso e é vitoriosa em todas as votações. E é graças a essa mobilização que conseguimos estancar aqui no Congresso as medidas preconceituosas e punitivas ao setor rural. E, se ainda não conseguimos interferir em segurança jurídica e obras de infraestrutura, nós temos pelo menos a capacidade de fazer com que a legislação não seja inviabilizadora do setor. Aqui no Congresso, conseguimos evitar o aumento da carga tributária, encontrar saídas para a renegociação da dívida dos agricultores e até trabalhar em torno do Código Florestal para evitar a aprovação de leis que poderiam prejudicar o setor.

Plant: O que deve estar incluído em uma agenda política do setor?
Caiado: Temos terras ainda bastante degradadas e poderemos ampliar nossa área plantada com uma política de recuperação das terras. Acho que é preciso incentivar a política da composição da agricultura com a pecuária e a produção de massa verde. São novas situações e possibilidades que podem ajudar o setor a crescer. Penso que seria prioritário falar no seguro agrícola. É uma pauta necessária há anos e que nunca foi adiante. O produtor não suporta mais depender do governo e do clima, arcando 100% com os riscos.

O segundo ponto é o grande desafio. É necessário trazer renda para o setor. Há mais de 30 anos, eu brigo para que o agricultor possa ter um repasse e uma qualidade de vida compatível com a importância do setor.

Plant: O presidente Temer afirmou que a agricultura precisa mesmo é de dinheiro. O senhor acha realmente que
é isso mesmo?
Caiado: Depende do dinheiro. Se quiserem emprestar recursos com taxa de mercado, não estará fazendo graça alguma. Se houver ao menos uma equiparação entre os subsídios dados a outros setores com a agricultura, já seria um avanço. Não é só o dinheiro. É preciso saber de que forma chegará esse dinheiro. Acho que ele tinha que se preocupar mais nesse momento era em gastar dinheiro corretamente com a infraestrutura. É inaceitável que a agricultura bata recordes de produção e a safra fique atolada na lama. É um colapso! Eu diria que antes de pensarem no financiamento da safra e achemos que isso resolve o problema, o setor rural está mesmo precisando de um governante. Um presidente que dê prioridade a fazer algo que possa ajudar a aumentar a competitividade do setor.

Plant: Em relação ao cenário político, o senhor está disposto a disputar a Presidência da República?
Caiado: Eu não diria que é uma decisão já tomada. Mas disputei a presidência em 1989, fiquei cinco mandatos como deputado federal e agora estou no meu primeiro como senador. Eu diria que me vejo em condições de colocar meu nome, mas isso é uma decisão partidária. Não é algo que seja possível decidir sozinho.

 

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