Usina da internet

Por Clayton Melo A revolução digital chegou ao campo, mas ainda há uma série de desafios a perco


Edição 4 - 18.10.17

Por Clayton Melo

A revolução digital chegou ao campo, mas ainda há uma série de desafios a percorrer até que todos os produtores possam se beneficiar plenamente das vantagens da tecnologia. No Brasil e no exterior, as ferramentas digitais estão presentes de diversas formas nas lavouras, do uso de softwares de gestão à automação de máquinas, passando pela agricultura de precisão, Big Data e aplicativos de rastreamento com apoio de satélites. Ainda falta, no entanto, vencer uma barreira fundamental: conectar as fazendas à internet. No momento em que todos os talhões estiverem plugados na rede, os produtores poderão aumentar ainda mais a eficiência das plantações, enviando e recebendo por smartphones informações em tempo real diretamente de áreas remotas – e, o que é fantástico, se beneficiando de fato de novíssimas tecnologias, como a Internet das Coisas e a Inteligência Artificial.

Fazer essa conexão é um trabalho complexo e que demanda um grande volume de investimentos das operadoras de telecomunicações. Para alguns players do agronegócio nacional, no entanto, o tema é tão estratégico que eles tomaram para si a responsabilidade de desenvolver e implantar sistemas de internet de alta velocidade e integrar os pontos mais distantes de sua produção ao mundo digital. Um dos maiores produtores de açúcar e etanol do Brasil, o Grupo São Martinho abriu a porteira para essa nova etapa da tecnologia no campo. De forma pioneira, a companhia começou a instalar uma rede 4G móvel com o objetivo de conectar os 320 mil hectares de terra sob sua gestão. Baseada na tecnologia LTE (Long Term Evolution) e desenvolvida em parceria com o CPqD, instituição de inovação e pesquisa com sede em Campinas, a iniciativa foi lançada em 2016 e terá dois anos de duração. O plano está ancorado num sistema de conexão pensado especificamente para o setor sucroalcooleiro, levando em conta aspectos como clima, topografia e vegetação. O projeto conta também com infraestrutura de sensoriamento com RFID, um recurso de identificação por radiofrequência. Esses instrumentos todos, integrados, vão permitir a coleta e a transmissão de informações, em tempo real, direto das usinas, algo hoje impensável. “Conseguimos finalmente desenvolver uma tecnologia que possibilita colocar de pé, para nós, uma rede 4G que conecta todos os equipamentos no campo”, diz Fábio Venturelli, presidente do Grupo São Martinho. “Essa é uma das principais inovações no grupo atualmente.”

COMO FUNCIONA
A tecnologia do CPqD utiliza estações de rádio-base distribuídas nas usinas e equipamentos chamados de terminais inteligentes veiculares. Esses terminais são pequenas caixas, facilmente transportadas, que possuem todo o aparato para viabilizar a conexão, como Wi-Fi, GPS, RFID e a tecnologia LTE. Os equipamentos são instalados nas colhedoras, tratores e caminhões que realizam o transporte da cana, fazendo, assim, com que as máquinas fiquem conectadas à internet. “A rede de comunicação LTE vai possibilitar a conexão num raio de cobertura de dezenas de quilômetros, permitindo mobilidade e taxas muito elevadas de qualidade de transmissão de dados, bem superior e sem a instabilidade da rede 4G das operadoras de celular”, afirma Fabrício Lira Figueiredo, gerente de tecnologias de comunicação sem fio do CPqD. “Esse sistema vai viabilizar a coleta de dados no campo e o seu envio, em tempo real, para um banco de dados da São Martinho e, mais tarde, de outras empresas.” A previsão é de que a partir de abril cerca de 20 terminais estejam funcionando em pelo menos uma frente de colheita da São Martinho.

Fonte: CPqD

O projeto da rede 4G é apoiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio do PAISS Agrícola, um programa destinado ao fomento da inovação na agricultura. A previsão do CPqD, responsável pela parte tecnológica, é de que o serviço seja lançado comercialmente no segundo semestre de 2017. A fabricação da rede e a operação comercial estão a cargo da Trópico Sistemas e Telecomunicações, uma startup ligada ao CPqD. Por enquanto, o que está em andamento é um projeto-piloto em uma das usinas do grupo sucroalcooleiro, a São Martinho, em Pradópolis, na região de Ribeirão Preto (SP). Pelo projeto, a companhia de açúcar e álcool terá vantagens comerciais quando a rede 4G do CPqD começar a ser vendida no mercado. Além disso, outro benefício foi o desenvolvimento de um projeto adaptado às necessidades do grupo.

Para entender melhor a importância da rede 4G para as lavouras, é preciso observar como funciona hoje, de maneira geral, o processo de registro e coleta de informações no campo. Grandes companhias, como a São Martinho, trabalham com tratores e colhedoras com alto grau de automação e tecnologia de bordo. Mas sempre é necessário um operador ao lado da máquina para extrair os registros ou até mesmo anotar dados que ele próprio observa durante o uso do equipamento. São coisas como o nível de pressão hidráulica ou de óleo, umidade do solo e qualidade da cana. Atualmente, as informações são extraídas do equipamento por meio de um pen drive ou anotadas diretamente em um iPad. “Sem conectividade, qualquer transmissão de dados tem de ser feita assim – ou num pedaço de papel”, afirma Venturelli, destacando que o processo manual é passível de erros. Com o canavial conectado, a história será outra: tudo será enviado diretamente da máquina para a nuvem e acessado pela equipe da São Martinho.

WAZE DO CAMINHÃO DE CANA

A utilidade da inovação, no entanto, vai além disso. Combinando a transmissão em tempo real com Big Data e a criação de algoritmos, os gestores da São Martinho poderão evitar prejuízos com as colhedoras. “Teremos condições de saber por antecipação, por exemplo, que tipo de componente está perto da hora de ser trocado, evitando que uma máquina quebre”, afirma Walter Maccheroni, gestor de inovação do Grupo São Martinho. “Ter os canaviais conectados vai nos permitir monitorar toda a operação agrícola ao vivo e em cores. Assim, poderemos utilizar Inteligência Artificial para tomada de ações.” Os supercérebros digitais serão úteis porque, com a lavoura conectada, será possível organizar os trajetos percorridos pelas colhedoras nos canaviais, que são áreas, obviamente, sem placas de trânsito. “Assim, vamos saber qual o melhor percurso a cumprir de acordo com o que já está previsto pelas frentes de colheita”, diz Venturelli. “Com a conectividade, teremos o nosso Waze do caminhão de cana”, afirma.

O desenvolvimento de uma rede 4G para conectar os canaviais segue a estratégia de investimento constante em inovação por parte do Grupo São Martinho, que possui quatro usinas: além da São Martinho, conta também com a Iracema, em Iracemápolis, na região de Limeira (SP); a Santa Cruz, localizada em Américo Brasiliense (SP); e a Boa Vista, em Quirinópolis, a 300 quilômetros de Goiânia (GO), esta em joint venture com a Petrobras Biocombustíveis. Responsável pela gestão de aproximadamente 23 milhões de toneladas de cana, a companhia possui um índice médio de mecanização da colheita de 97%, chegando a 100% na Usina Boa Vista. Com capital aberto desde 2007, registrou, no primeiro trimestre da safra 2016/17, um lucro líquido de R$ 39,7 milhões, um aumento de 26,1% em relação ao mesmo período do ano anterior.

A busca por inovação faz parte da estratégia e tem relação direta com uma característica da operação do grupo. Enquanto muitos concorrentes trabalham com diferentes fornecedores externos de cana, na São Martinho a preferência é por lidar com matéria-prima própria, ou seja, que ela mesma produz e controla. Isso resulta num diferencial em termos de preço, porque, ao lidar com insumo de terceiros, o valor oscila em função da cotação do açúcar e do álcool. Com a cana própria, por sua vez, é possível controlar o custo, pois ela não fica atrelada ao valor do produto final. Como 80% dos custos do Grupo São Martinho são originados da área agrícola, como plantio, corte, colheita e transporte, melhorar a eficiência da produção significa ser mais competitivo. “Esse é um dos grandes motivos da companhia sempre ter investido muito em tecnologia agrícola”, diz Venturelli.

A visão de futuro do Grupo São Martinho, com canaviais conectados e uso de Big Data e Inteligência Artificial, está em sintonia com o que os principais competidores do agronegócio mundial buscam neste momento. A agricultura digital oferece uma nova maneira de conduzir os negócios, permitindo a melhoria da eficiência e da sustentabilidade. O Brasil, como potência nesse mercado, ocupa papel relevante na corrida tecnológica agrária, como demonstram o exemplo da São Martinho e de uma série de novas empresas especializadas em tecnologia para o agronegócio – as chamadas AgTechs -, que começam a proliferar no País.

O histórico de inovação da agricultura brasileira, em genética para sementes e mecanização de grandes propriedades, por exemplo, é bem conhecido. O aspecto novo é que agora a tecnologia digital chegou aos pequenos e médios produtores. Com softwares, hardwares e aplicativos de baixo custo, os agricultores podem obter análises e qualquer tipo de dado na palma da mão. Isso tem um efeito multiplicador em toda a cadeia do agronegócio. E a inovação se espalha não só pela tecnologia agrícola, mas também em novas formas de manejo do solo e desenvolvimento de variedade de insumos, como a cana. O importante em todo esse processo é usar a inovação de forma coordenada, observa Fábio Venturelli. A partir daí, é se preparar para voos mais altos. “Com o Big Data e a conectividade, podemos levar essa estratégia a uma outra dimensão, com muito mais previsibilidade e eficiência.”

 

Por dentro da operação

Alguns dados e informações sobre a operação do Grupo São Martinho

• O grupo possui quatro usinas: São Martinho, em Pradópolis, na região de Ribeirão Preto; Iracema, em Iracemápolis, perto de Limeira; Santa Cruz, localizada em Américo Brasiliense (todas essas três no Estado de São Paulo); e Boa Vista, em Quirinópolis, a 300 quilômetros de Goiânia (GO), esta uma joint-venture com a Petrobras Biocombustível

• Um dos maiores grupos sucroenergéticos do Brasil, tem capacidade aproximada de moagem de 23 milhões de toneladas de cana (21 milhões de capacidade proporcional à participação acionária)

• O índice médio de mecanização da colheita do grupo é de 97%, chegando a 100% na Usina Boa Vista

• O lucro líquido do primeiro trimestre da safra 16/17 foi de R$ 39,7 milhões, resultado 26,1% superior ao alcançado em igual período da safra anterior

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