NA PISTA DA AGRICULTURA ORGÂNICA

Pedro Paulo Diniz trocou o circo da Fórmula 1 pela fazenda da família e decidiu replicar na produ


Edição 5 - 31.10.17

Pedro Paulo Diniz trocou o circo da Fórmula 1 pela fazenda da família e decidiu replicar na produção agrícola as mudanças que vinha realizando em sua própria vida. Agora sonha em ver esse conceito espalhado por lavouras e pomares do Brasil todo.

 

Por Romualdo Venâncio | Fotos Emiliano Capozoli

Fotos aéreas: Fernando Brisolla

“Quando comecei a pensar nesse projeto, eu não entendia nada de  agricultura.” É assim que Pedro Paulo Diniz descreve seu primeiro desafio para fundar, em 2009, a Fazenda da Toca. O empreendimento surgiu pelo desejo do empresário de produzir alimentos orgânicos em grande escala, para que se tornassem mais acessíveis aos consumidores. O que naquele momento era um fator limitante acabou facilitando um pouco as coisas. “Exatamente por eu ser leigo no assunto me permitia fazer as perguntas mais óbvias, como, por exemplo, se o processo de esterilização das terras com inseticidas, fungicidas e herbicidas não causaria algum problema”, comenta Diniz. A dedicação ao aprendizado de técnicas agrícolas, biodiversidade e sistemas agroflorestais, entre outros temas, tem ajudado a construir algo inspirador.Localizada no município de Itirapina, no interior de São Paulo, a Fazenda da Toca tem 2,3 mil hectares e já pertencia à família de Diniz desde 1970. Mas foi só em meados dos anos 2000 que ele passou a ter uma nova percepção sobre o lugar, certamente motivado pelas mudanças que já vinham acontecendo em sua própria vida. Filho de Abílio Diniz, um dos mais influentes empresários do País, foi piloto e até dono de equipe de Fórmula 1, gozou dos prazeres proporcionados pelo circo do automobilismo até que veio a necessidade de desacelerar. Com isso, surgiram também questionamentos a respeito da relação da humanidade consigo mesma e com o planeta. Em meio a tais indagações, estavam os sistemas de produção de alimentos.

Patrocínio: Mitsubishi Motors

A princípio, Diniz decidiu investir na fruticultura orgânica, pois na fazenda já havia pomares de laranja, limão e tangerina, cultivados no sistema convencional. O negócio tomou outras dimensões e, além do plantio das frutas, envolveu a produção de sucos, molhos, lácteos, ovos e grãos. As linhas de produtos finais destinados ao varejo estavam em processo de expansão, mas os rumos mudaram no final do ano passado e, em dezembro, foi definida uma nova reestruturação. “O desenvolvimento desses itens exigia de nós uma energia que acabava faltando em nosso core business”, explica o empresário. Segundo ele, a equipe de campo até já cobrava mais atenção por parte da direção, que andava bastante envolvida com as questões comerciais.

“Por eu ser leigo no assunto, me permitia fazer as perguntas mais óbvias”

Obrigatoriamente, a decisão também passou pela análise do retorno financeiro. Diniz não revela os números, mas assegura que a margem de lucro é muito maior na comercialização da polpa de frutas para a indústria do que na venda de uma garrafinha de suco no varejo. “Concretizada a mudança, a empresa trocou de forma rápida e considerável de patamar financeiro”, afirma. “Mas é difícil tomar esse tipo de decisão. Tivemos, por exemplo, que desfazer toda uma equipe de marketing e desenvolvimento de produto.” Agora, os negócios da Fazenda da Toca estão concentrados em fruticultura e avicultura. Os grãos permanecem, mas exclusivamente como insumo para a divisão avícola, que tem hoje a maior representatividade em termos de receita.

O VOO DAS GALINHAS

A Fazenda da Toca produz cerca de 60 mil ovos por dia e tem como meta chegar a 100 mil até o final deste ano. Hoje, são aproximadamente 80 mil aves da raça Large Brown distribuídas em oito aviários, que ocupam 68 hectares da propriedade. O tempo de vida produtiva de cada galinha na propriedade é de 90 semanas. Os ovos compõem a única linha que a empresa ainda comercializa com a sua marca diretamente em lojas de varejo, autosserviço e feiras de produtos orgânicos, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Há também o fornecimento para outras marcas, como a Taeq, do Grupo Pão de Açúcar (GPA), a Sentir Bem, do Walmart, e a Granja Mantiqueira.

O bem-estar animal é primordial na unidade produtiva, por isso boa parte do manejo é automatizada. As aves são criadas soltas no ambiente, têm espaço para ciscar, caminhar e até correr. Na área interna dos aviários, contam com duas linhas de fornecimento de água, poleiros nas laterais, ventilação e casinhas para postura. Os ovos caem em uma esteira que absorve o impacto e os transporta até o local onde um funcionário faz a separação. Ali, passam por uma criteriosa avaliação quanto ao padrão de qualidade e tamanho, para melhor definir o rumo, ou seja, para qual mercado se destinam.

Companhia Aérea Oficial

A ração oferecida às aves é toda fabricada na própria fazenda. Aliás, boa parte dos insumos também. Cerca de 80 hectares da propriedade são destinados às lavouras de milho, grão que é produzido em um sistema de parceria. Um agricultor que já foi funcionário da Toca é quem responde pela gestão agrícola dos milharais. Este é um setor bastante desafiador em termos de manejo, sobretudo no controle de pragas e plantas daninhas, pois exige muito da mão de obra. É o caso da corda-de-viola, pois o sistema de produção orgânica não permite o uso de herbicidas químicos, e a retirada dessa trepadeira tem de ser feita manualmente.A fábrica de ração da fazenda produz até 3 mil toneladas por dia. Os principais insumos são armazenados em três silos. Dois deles, com capacidade para mil toneladas, são destinados ao milho, enquanto que um terceiro (três mil toneladas) é utilizado para soja. Na formulação da dieta das galinhas também entram ingredientes homeopáticos e fitoterápicos, pois o manejo sanitário não permite medicamentos convencionais. Por conta disso, é grande a atenção com problemas respiratórios e verminoses. Já a vacinação segue as normas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Teoricamente, a produção de ovos não teria conexão com a produção de frutas. Mas um dos conceitos centrais da Fazenda da Toca é que nada que se produz na propriedade tem apenas uma função. As atividades devem estar integradas para que se consolide a produção agropecuária de regeneração. “Todo o material orgânico residual dos aviários é utilizado para nutrir as áreas de plantio de frutas”, observa Diniz, que complementa: “O conceito inicial sempre foi termos unidades de produção que tivessem sinergia com as outras”.

O MODELO IDEAL

Uma das primeiras providências para a implantação da fruticultura orgânica na Fazenda da Toca foi a substituição dos pomares convencionais. Conforme avançava, a transição revelou quanto trabalho Diniz teria pela frente. “A produtividade não foi tão boa, pois o desenho anterior era de pomares monoculturais, e já havia muitas doenças instauradas, como o greening”, lembra o empresário. A solução foi erradicar as árvores antigas e substituí-las por outras já com um novo modelo agrícola.

Desde o início, Diniz sabia que para produzir alimentos orgânicos em grande escala era preciso e otimizar ao máximo os processos, até para reduzir os custos. Foi durante o processo de pesquisa, implantação e desenvolvimento da fruticultura orgânica nesses moldes que vieram à tona os sistemas agroflorestais (SAF). Eram esses os modelos que se encaixavam perfeitamente à concepção de uma atividade agrícola de regeneração, em que tudo se conecta e se complementa. “Passamos a olhar bastante para como a natureza lida com os problemas, como uma floresta nativa próspera sem nenhuma intervenção, produzindo e gerando biodiversidade”, comenta Diniz, que acrescenta: “Essa inspiração se tornou um diferencial”.

“Criar sistemas produtivos que regenerem é o que me move, virou meu lema pessoal”

A implantação dos sistemas agroflorestais começou, de fato, há cinco anos, e tende a se expandir pela fazenda. “Este ano estamos implantando nosso último modelo, que é para citricultura de limão, consorciado com árvores nativas, bem diversificado”, descreve Diniz. Segundo ele, são 400 hectares com o SAF citros, já implantado de forma mecanizada. Aliás, a ideia é que o manejo seja cada vez mais mecanizado, para ampliar a escala e fortalecer o retorno financeiro. Uma das principais linhas de negócio da Toca é a de polpas de frutas orgânicas, e nesse segmento o limão é o carro-chefe, inclusive atendendo o mercado externo.

O limão é exportado, principalmente para a Europa, na forma de suco não concentrado e congelado. Ainda há produção de laranja, embora em uma escala bem menor. Outras frutas, como banana, goiaba e manga, também vão como polpa para os mesmos destinos internacionais, com destaque para Alemanha e França. Uma parte menor desses itens abastece o mercado nacional, suprindo a demanda de indústrias de sucos e outros subprodutos. É em uma fração desses pomares que estão sendo avaliados os SAF que podem ser a plataforma para a produção também de madeira. As árvores estão sendo plantadas em escala experimental para que venham a ganhar maior relevância nos negócios da empresa.Em áreas onde antes havia pomares convencionais de laranja-bahia, hoje são realizados experimentos com limão, banana e árvores para produção de madeira. As linhas de plantio são formadas com banana ou limão e mogno, eucalipto ou cedro, tudo irrigado por aspersão. Entre os talhões, há o plantio de crotolária e capim-mombaça para a formação de adubação verde. O melhor consorciamento é definido a partir de análises de solo e da matéria verde realizadas pela equipe técnica do setor agrícola. A avaliação determina ainda a integração das plantas de forma que uma complemente o cultivo da outra.

“Criar sistemas produtivos que regenerem é o que realmente me move. Isso virou meu lema pessoal”, comenta Diniz, fazendo uma referência aos SAF. Segundo ele, é fundamental aproveitar o que a natureza oferece de forma gratuita para otimizar a produção agropecuária. “Quando você proporciona condições para o desenvolvimento da biodiversidade no solo, passa a contar com milhões de microrganismos que vão trabalhar a seu favor 24 horas por dia e de graça”, explica Diniz, que completa: “Ao colocar um adubo químico ou aplicar um herbicida, acaba prejudicando o que esses fatores gratuitos fornecem”.

O APRENDIZADO CONTINUA

Diniz faz questão de afirmar que o projeto da Fazenda da Toca não está concluído. Na verdade, longe disso. No entanto, os objetivos são muito claros, e isso é o que dá direção ao desenvolvimento e aumenta a confiança de alcançar novas conquistas. O empresário garante que a cada projeção financeira dos sistemas agroflorestais a surpresa é sempre positiva em relação à rentabilidade, à remuneração do capital. “O sucesso para nós é influenciar o máximo de pessoas que pudermos com o que fazemos, mas para servirmos de inspiração temos de ser financeiramente saudáveis, socialmente justos e regenerativos para o planeta”, analisa.O empresário não faz a menor cerimônia para dizer que ainda há muito o que fazer, inclusive na estruturação para o crescimento do empreendimento. Mas desde o começo da Fazenda da Toca vem trabalhando para multiplicar o conceito de regeneração e o sentimento de compromisso com a preservação do planeta. É essa ideia que tem sido transmitida na escola da fazenda, uma instituição de ensino que abriga 40 crianças, entre filhos de funcionários (cerca de 70%) e alunos que vêm dos municípios nos arredores. “Os princípios são os mesmos, ajudar essas crianças a entenderem de forma sistêmica como o mundo opera”, diz Diniz.

“Para servirmos de inspiração, temos de ser financeiramente saudáveis, socialmente justos e regenerativos para o planeta”

O ensino aplicado na escola da fazenda favorece a autonomia e o desenvolvimento da maturidade das crianças. Para os alunos com até 7 anos, por exemplo, fase em que a linguagem típica é brincar, não há um modelo com regras preestabelecidas para as atividades. A prioridade é estimular a criatividade, e os educadores observam as investigações das crianças e exploram isso da melhor maneira possível. Sempre tendo a natureza como mestra, como uma grande sala de aula. “A educação é fundamental para fazermos uma mudança cultural e de paradigmas”, ressalta Diniz. Quando pequeninos, em seu momento de brincadeiras, fazem questão de explicar à reportagem o que é um meliponário, isso é sinal de que há uma alfabetização ecológica em andamento.

Assista ao vídeo completo da série TOP FARMERS com Pedro Paulo Diniz

PEDRO PAULO DINIZ

47 anos
Fundador e CEO da Fazenda da Toca, empreendimento especializado em produção de alimentos orgânicos
Ex-piloto e ex-sócio de equipe de Fórmula 1
Divisões de negócios: Produção de ovos e fruticultura
Área total da propriedade: 2,3 mil hectares
– 68 hectares para avicultura
– 400 hectares para fruticultura
– 21 hectares de áreas experimentais (Pesquisa e Desenvolvimento)
Produção:
– Ovos: 60 mil ovos/dia (meta é chegar a 100 mil ainda este ano)
– Limão: 260 toneladas
– Manga: 125 toneladas
– Goiaba: 50 toneladas
– Banana: 30 toneladas
– Laranja: 40 toneladas
Outras atividades: Criador do Instituto Toca, organização sem fins lucrativos voltada à disseminação da cultura do “viver orgânico”; diretor da Península Participações e do Instituto Península, braço social dos negócios da família Diniz que tem como foco a formação de professores.Desejo: Sonha em ver a agricultura regenerativa em todo o Brasil.

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